O vazio e a falta de sentido do monstruoso fim-em-si capitalista (D-M-D’) encontra expressão no vazio e na inconsistência das posições com carga identitária (‘caminho livre para cidadãos livres’ ou similares). Precisamente quando as identidades caem em crise porque os seus fundamentos sociais se rompem é que são defendidas de forma ainda mais feroz. A sua decadência ou obsolescência é atribuída a uma ‘ameaça externa’ (de esquerdistas, políticos, migrantes, feministas, ‘lobby gay’ etc.). A insistência na correcção formal de uma discussão ‘livre de dominação’ acaba por levar a que o que pode ser pronunciado ‘livre de dominação’ e ‘democrático’ – o que deve ser considerado ‘normal’ – seja deslocado mais para a direita. Isto não torna errada toda a crítica burguesa da cultura do cancelamento (como quaisquer purgas disparatadas de artefactos históricos ou preocupadas ‘tempestades de merda’ em vez de discussão), mas ela teria de crescer para além da sua tacanhez burguesa, se quisesse dar uma contribuição para a crítica da ideologia, contra a brutalização geral. No entanto, a crítica burguesa da cultura do cancelamento, com o seu liberalismo idealizado e a sua adesão à metafísica real capitalista (por vezes resumida como ‘senso comum’), torna-a mais compatível com posições de direita ou, como se diz no jargão popular, com elas conectável. Assim não é por acaso que alguns autores da Novo também escrevem para revistas como Achse des Guten ou Eigentümlich frei. De facto, o foco da crítica burguesa da cultura do cancelamento não é a crítica da cultura do cancelamento de direita: pense-se na “masculinidade política” (28), que se mobiliza agressivamente pelo patriarcado, e na agitação contra as Sextas-feiras pelo futuro. (29) A proibição dos estudos de género na Hungria ao que parece não contou como cultura do cancelamento para os críticos liberais/conservadores e de direita. (30) Pelo contrário, os estudos de género são considerados por muitos uma pseudociência que deveria ser abolida! Continuar lendo Debate livre para cidadãos livres? Thomas Meyer