Fundado em novembro de 2011

Visualizações

294500

newsletter

250

O Futuro Climático da Amazônia

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 33 leitura mínima

Antonio Donato Nobre é um agrônomo, especialista na relação da Amazônia com o clima. Pesquisador de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) publicou recentemente um minucioso trabalho sobre o título “O futuro climático da Amazônia”, que devido ao tema e a sua correlação com as recentes secas em estados como o Rio e São Paulo, recebeu atenção da Mídia nacional internacional , repercutindo nas Redes Sociais .

 

Para um melhor conhecimento das informações constantes do estudo do professor Antônio Donato Nobre , resolvermos, então , republicar uma entrevista que ele concedeu ao jornal IHU , onde deixa claro que a seca no Estado de São Paulo só pode ser entendida ser for associada à tragédia que se abate sobre a Amazônia .

 

Recentemente, também tínhamos publicado aqui uma entrevista com o professorI Altair Sales Barbosa , onde ele peremptoriamente anunciava a extinção do bioma do cerrado , uma tragédia ambiental ainda pouco conhecida da população brasileira, e também , à exemplo do Professor Antônio Donato , relacionava tal acontecimento com as secas que atualmente assolam o Sudeste do Brasil .

 

Fica claro para todos nós , lendo tais depoimentos , o papel predador das elites brasileiras , notadamente do setor do Agro Negócio , que hoje é sem dúvidas o principal inimigo da sobrevivência do nosso povo e da manutenção da integridade nacional . Os dois pronunciamentos destes reconhecidos cientista somam- se as intermináveis denúncias feitas durante muitos anos por inúmeros especialistas , deixando claro que os governantes do país são os responsáveis diretos pela perda deste patrimônio herdado de nossos antepassados .

Serra da Mantiqueira , outubro de 2014
Arlindenor Pedro



Para os interessados que desejam se aprofundar no tema , ao final da entrevista , publicamos o Sumário Executivo do Estudo , além de disponibilizá-lo , na íntegra , no link : O Futuro Climático da Amazônia, em pdf .

*********************************

Eis a entrevista.

Quanto já desmatamos da Amazônia brasileira?

Só de corte raso, nos últimos 40 anos, foram três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões. São 184 milhões de campos de futebol, quase um campo por brasileiro. A velocidade do desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se deslocando a 726 km/hora – uma espécie de trator do fim do mundo. A área que foi destruída corresponde a uma estrada de 2 km de largura, da Terra até a Lua. E não estou falando de degradação florestal.

Essa é a “guilhotina de árvores” que o senhor menciona?

Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 40 anos, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto. É o clima que sente cada árvore que é retirada da Amazônia. O desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa.

O sr. pode explicar?

Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais. Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar.

A mudança climática…

A mudança climática já chegou. Não é mais previsão de modelo, é observação de noticiário. Os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante, fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global. As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário está entrando em falência como previsto, só que mais rápido.

No estudo o sr. relaciona destruição da floresta e clima?

A literatura é abundante, há milhares de artigos escritos, mais de duas dúzias de projetos grandes sendo feitos na Amazônia, com dezenas de cientistas. Li mais de 200 artigos em quatro meses. Nesse estudo quis esclarecer conexões, porque esta discussão é fragmentada. “Temos que desenvolver o agronegócio. Mas e a floresta? Ah, floresta não é assunto meu”. Cada um está envolvido naquilo que faz e a fragmentação tem sido mortal para os interesses da humanidade. Quando fiz a síntese destes estudos, eu me assombrei com a gravidade da situação.

Qual é a situação?

A situação é de realidade, não mais de previsões. No arco do desmatamento, por exemplo, o clima já mudou. Lá está aumentando a duração da estação seca e diminuindo a duração e volume de chuva. Agricultores do Mato Grosso tiveram que adiar o plantio da soja porque a chuva não chegou. Ano após ano, na região leste e sul da Amazônia, isso está ocorrendo. A seca de 2005 foi a mais forte em cem anos. Cinco anos depois teve a de 2010, mais forte que a de 2005. O efeito externo sobre a Amazônia já é realidade. O sistema está ficando em desarranjo.

A seca em São Paulo se relaciona com mudança do clima?

Pegue o noticiário: o que está acontecendo na Califórnia, na América Central, em partes da Colômbia? É mundial. Alguém pode dizer – é mundial, então não tem nada a ver com a Amazônia. É aí que está a incompreensão em relação à mudança climática: tem tudo a ver com o que temos feito no planeta, principalmente a destruição de florestas. A consequência não é só em relação ao CO2 que sai, mas a destruição de floresta destrói o sistema de condicionamento climático local. E isso, com as flutuações planetárias da mudança do clima, faz com que não tenhamos nenhuma almofada.

Almofada?

A floresta é um seguro, um sistema de proteção, uma poupança. Se aparece uma coisa imprevista e você tem algum dinheiro guardado, você se vira. É o que está acontecendo agora, não sentimos antes os efeitos da destruição de 500 anos da Mata Atlântica, porque tínhamos a “costa quente” da Amazônia. A sombra úmida da floresta amazônica não permitia que sentíssemos os efeitos da destruição das florestas locais.

O sr. fala em tapete tecnológico da Amazônia. O que é?

Eu queria mostrar o que significa aquela floresta. Até eucalipto tem mais valor que floresta nativa. Se olharmos no microscópio, a floresta é a hiper abundância de seres vivos e qualquer ser vivo supera toda a tecnologia humana somada. O tapete tecnológico da Amazônia é essa assembleia fantástica de seres vivos que operam no nível de átomos e moléculas, regulando o fluxo de substâncias e de energia e controlando o clima.

O sr. fala em cinco segredos da Amazônia. Quais são?

O primeiro é o transporte de umidade continente adentro. O oceano é a fonte primordial de toda a água. Evapora, o sal fica no oceano, o vento empurra o vapor que sobe e entra nos continentes. Na América do Sul, entra 3.000 km na direção dos Andes com umidade total. O segredo? Os gêiseres da floresta.

Gêiseres da floresta?

É uma metáfora. Uma árvore grande da Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca mais de mil litros de água em um dia, pela transpiração. Fizemos a conta para a bacia Amazônica toda, que tem 5,5 milhões de km2: saem desses gêiseres de madeira 20 bilhões de toneladas de água diárias. O rio Amazonas, o maior rio da Terra, que joga 20% de toda a água doce nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia. Esse fluxo de vapor que sai das árvores da floresta é maior que o Amazonas. Esse ar que vai progredindo para dentro do continente vai recebendo o fluxo de vapor da transpiração das árvores e se mantém úmido, e, portanto, com capacidade de fazer chover. Essa é uma característica das florestas.

É o que faz falta em São Paulo?

Sim, porque aqui acabamos com a Mata Atlântica, não temos mais floresta.

Qual o segundo segredo?

Chove muito na Amazônia e o ar é muito limpo, como nos oceanos, onde chove pouco. Como, se as atmosferas são muito semelhantes? A resposta veio do estudo de aromas e odores das árvores. Esses odores vão para atmosfera e quando têm radiação solar e vapor de água, reagem com o oxigênio e precipitam uma poeira finíssima, que atrai o vapor de água. É um nucleador de nuvens. Quando chove, lava a poeira, mas tem mais gás e o sistema se mantém.

E o terceiro segredo?

A floresta é um ar-condicionado e produz um rio amazônico de vapor. Essa formação maciça de nuvens abaixa a pressão da região e puxa o ar que está sobre os oceanos para dentro da floresta. É um cabo de guerra, uma bomba biótica de umidade, uma correia transportadora. E na Amazônia, as árvores são antigas e têm raízes que buscam água a mais de 20 metros de profundidade, no lençol freático. A floresta está ligada a um oceano de água doce embaixo dela. Quando cai a chuva, a água se infiltra e alimenta esses aquíferos.

Como tudo isso se relaciona à seca de São Paulo?

No quarto segredo. Estamos em um quadrilátero da sorte – uma região que vai de Cuiabá a Buenos Aires no Sul, São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da América do Sul. Se olharmos o mapa múndi, na mesma latitude estão o deserto do Atacama, o Kalahari, o deserto da Namíbia e o da Austrália. Mas aqui, não, essa região era para ser um deserto. E no entanto não é, é irrigada, tem umidade. De onde vem a chuva? A Amazônia exporta umidade. Durante vários meses do ano chega por aqui, através de “rios aéreos”, o vapor que é a fonte da chuva desse quadrilátero.

E o quinto segredo?

Onde tem floresta não tem furacão nem tornado. Ela tem um papel de regularização do clima, atenua os excessos, não deixa que se organizem esses eventos destrutivos. É um seguro.

Qual o impacto do desmatamento então?

O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, aí não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo. Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E parar agora não resolve mais.

Como não resolve mais?

Parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem. A única reação adequada neste momento é fazer um esforço de guerra. A evidência científica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. Mas isso será insuficiente, temos que replantar florestas, refazer ecossistemas. É a nossa grande oportunidade.

E se não fizermos isso?

Veja pela janela o céu que tem em São Paulo – é de deserto. A destruição da Mata Atlântica nos deu a ilusão de que estava tudo bem, e o mesmo com a destruição da Amazônia. Mas isso é até o dia em que se rompe a capacidade de compensação, e é esse nível que estamos atingindo hoje em relação aos serviços ambientais. É muito sério, muito grave. Estamos indo direto para o matadouro.

O que o sr. está dizendo?

Agora temos que nos confrontar com o desmatamento acumulado. Não adianta mais dizer “vamos reduzir a taxa de desmatamento anual.” Temos que fazer frente ao passivo, é ele que determina o clima.

Tem quem diga que parte desses campos de futebol viraram campos de soja.

O clima não dá a mínima para a soja, para o clima importa a árvore. Soja tem raiz de pouca profundidade, não tem dossel, tem raiz curta, não é capaz de bombear água. Os sistemas agrícolas são extremamente dependentes da floresta. Se não chegar chuva ali, a plantação morre.

O que significa tudo isso? Que vai chover cada vez menos?

Significa que todos aqueles serviços ambientais estão sendo dilapidados. É a mesma coisa que arrebentar turbinas na usina de Itaipu – aí não tem mais eletricidade. É de clima que estamos falando, da umidade que vem da Amazônia. É essa a dimensão dos serviços que estamos perdendo. Estamos perdendo um serviço que era gratuito que trazia conforto, que fornecia água doce e estabilidade climática. Um estudo feito na Geórgia por uma associação do agronegócio com ONGs ambientalistas mediu os serviços de florestas privadas para áreas urbanas. Encontraram um valor de US$ 37 bilhões. É disso que estamos falando, de uma usina de serviços.

As pessoas em São Paulo estão preocupadas com a seca.

Sim, mas quantos paulistas compraram móveis e construíram casas com madeira da Amazônia e nem perguntaram sobre a procedência? Não estou responsabilizando os paulistas porque existe muita inconsciência sobre a questão. Mas o papel da ciência é trazer o conhecimento. Estamos chegando a um ponto crítico e temos que avisar.

Esse ponto crítico é ficar sem água?

Entre outras coisas. Estamos fazendo a transposição do São Francisco para resolver o problema de uma área onde não chove há três anos. Mas e se não tiver água em outros lugares? E se ocorrer de a gente destruir e desmatar de tal forma que a região que produz 70% do PIB cumpra o seu destino geográfico e vire deserto? Vamos buscar água no aquífero?

Não é uma opção?

No norte de Pequim, os poços estão já a dois quilômetros de profundidade. Não tem uso indefinido de uma água fóssil, ela tem que ter algum tipo de recarga. É um estoque, como petróleo. Usa e acaba. Só tem um lugar que não acaba, o oceano, mas é salgado.

O esforço de guerra é para acabar com o desmatamento?

Tinha que ter acabado ontem, tem que acabar hoje e temos que começar a replantar florestas. Esse é o esforço de guerra. Temos nas florestas nosso maior aliado. São uma tecnologia natural que está ao nosso alcance. Não proponho tirar as plantações de soja ou a criação de gado para plantar floresta, mas fazer o uso inteligente da paisagem, recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e replantar florestas em grande escala. Não só na Amazônia. Aqui em São Paulo, se tivesse floresta, o que eu chamo de paquiderme atmosférico…

Como é?

É a massa de ar quente que “sentou” no Sudeste e não deixa entrar nem a frente fria pelo Sul nem os rios voadores da Amazônia.

O que o governo do Estado deveria fazer?

Programas massivos de replantio de reflorestas. Já. São Paulo tem que erradicar totalmente a tolerância com relação a desmatamento. Segunda coisa: ter um esforço de guerra no replantio de florestas. Não é replantar eucalipto. Monocultura de eucalipto não tem este papel em relação a ciclo hidrológico, tem que replantar floresta e acabar com o fogo. Poderia começar reconstruindo ecossistemas em áreas degradadas para não competir com a agricultura.

Onde?

Nos morros pelados onde tem capim, nos vales, em áreas íngremes. Em vales onde só tem capim, tem que plantar árvores da Mata Atlântica. O esforço de guerra para replantar tem que juntar toda a sociedade. Precisamos reconstruir as florestas, da melhor e mais rápida forma possível.

E o desmatamento legal?

Nem pode entrar em cogitação. Uma lei que não levou em consideração a ciência e prejudica a sociedade, que tira água das torneiras, precisa ser mudada.

O que achou de Dilma não ter assinado o compromisso de desmatamento zero em 2030, na reunião da ONU, em Nova York?

Um absurdo sem paralelo. A realidade é que estamos indo para o caos. Já temos carros-pipa na zona metropolitana de São Paulo. Estamos perdendo bilhões de dólares em valores que foram destruídos. Quem é o responsável por isso? Um dia, quando a sociedade se der conta, a Justiça vai receber acusações. Imagine se as grandes áreas urbanas, que ficarem em penúria hídrica, responsabilizarem os grandes lordes do agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. Espero que não se chegue a essa situação. Mas a realidade é que a torneira da sua casa está secando.

Quanto a floresta consegue suportar?

Temos uma floresta de mais de 50 milhões de anos. Nesse período é improvável que não tenham acontecido cataclismas, glaciação e aquecimento, e no entanto a Amazônia e a Mata Atlântica ficaram aí. Quando a floresta está intacta, tem capacidade de suportar. É a mesma capacidade do fígado do alcoólatra que, mesmo tomando vários porres, não acontece nada se está intacto. Mas o desmatamento faz com que a capacidade de resiliência que tínhamos, com a floresta, fique perdida.

Aí vem uma flutuação forte ligado à mudança climática global e nós ficamos muito expostos, como é o caso do “paquiderme atmosférico” que sentou no Sudeste. Se tivesse floresta aqui, não aconteceria, porque a floresta resfria a superfície e evapora quantidade de água que ajuda a formar chuva.

O esforço terá resultado?

Isso não é garantido, porque existem as mudanças climáticas globais, mas reconstruir ecossistemas é a melhor opção que temos. Quem sabe a gente desenvolva outra agricultura, mais harmônica, de serviços agroecossistêmicos. Não tem nenhuma razão para o antagonismo entre agricultura e conservação ambiental. Ao contrário. A agricultura consciente, que soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas. E, por iniciativa própria, replantaria a floresta nas suas propriedades.

Sumário Executivo
Este relatório de avaliação do futuro climático da Amazônia consiste de uma revisão e síntese da literatura científica, articulada com análises interpretativas das questões mais importantes relacionadas ao assunto.
Sem perder o foco na ciência, trata dos temas com linguagem acessível e aspiração holística, isto é, busca ligar fontes e muitas análises de especialistas em uma imagem coerente do ecossistema Amazônico.
Suas linhas mestras são o potencial climático da grande floresta – fator critico para todas sociedades humanas – sua destruição com o desmatamento e o fogo e o que precisa ser feito para frear o trem desgovernado em que se transformaram os efeitos da ocupação humana sobre o clima em áreas de floresta.


O tema é vasto. Por isso é preciso desvenda-lo em certa sequência cronológica

1. O texto começa pelo pano de fundo do fator chave na história geológica: o tapete tecnológico da biodiversidade amazônica, que levou dezenas de milhões de anos para formar sua capacidade funcional. Os processos da vida que operam na floresta contêm complexidade quase incompreensível, com um número astronômico de seres funcionando como engrenagens articuladas em uma fenomenal máquina de regulação ambiental.

2 . A seguir, o texto passa à descrição das capacidades da Amazônia no seu estado intocado: o oceano-verde da floresta e sua relação com o oceano gasoso da atmosfera, com o qual troca gases, água e energia, e com o oceano azul dos mares, fonte primária e repositório final da água que irriga os continentes. Desde Humboldt até hoje, a ciência revelou importantes segredos acerca do poder da grande floresta sobre os elementos que fazem o clima. Aqui exploramos cinco descobertas importantes para a ecohidrologia Amazônica.

Cinco segredos desvendados:

  • O primeiro segredo é que a floresta mantém úmido o ar em movimento, o que leva chuvas para áreas continente adentro, distantes dos oceanos. Isso se dá pela capacidade inata das árvores de transferir grandes volumes de água do solo para a atmosfera através da transpiração.
  • O segundo segredo é a formação de chuvas abundantes em ar limpo. As árvores emitem substâncias voláteis precursoras de sementes de condensação do vapor d’água, cuja eficiência na nucleação de nuvens resulta em chuvas fartas e benignas.
  • O terceiro segredo é a sobrevivência da floresta Amazônica a cataclismos climáticos e sua formidável competência em sustentar um ciclo hi- drológico benéfico, mesmo em condições externas desfavoráveis. Segundo a nova teoria da bomba biótica, a transpiração abundante das árvores, casada com uma condensação fortíssima na formação das nuvens e chuvas – condensação essa maior que aquela nos oceanos contíguos –leva a um rebaixamento da pressão atmosférica sobre a floresta, que suga o ar úmido sobre o oceano para dentro do continente, mantendo as chuvas em quaisquer circunstâncias.
  • O quarto segredo indica a razão de a porção meridional da América do Sul, a leste dos Andes, não ser desértica, como áreas na mesma latitude, a oes- te dos Andes e em outros continentes. A floresta amazônica não somente mantém o ar úmido para si mesma, mas exporta rios aéreos de vapor que, transportam a água para as chuvas fartas que irrigam regiões distantes no verão hemisférico.
  • O quinto segredo desvendado é o motivo pelo qual a região amazônica e oceanos próximos não fomentam a ocorrência de fenômenos atmosféricos como furacões e outros eventos climáticos extremos. A atenuação da violência atmosférica tem explicação no efeito dosador, distribuidor e dissipador da energia nos ventos, exercido pelo rugoso dossel florestal, e da aceleração lateral de larga escala dos ventos na baixa atmosfera, promovida pela bomba biótica, o que impede a organização de furacões e similares. A condensação espacialmente uniforme sobre o dossel florestal impede concentração de energia dos ventos em vórtices destrutivos, enquanto o esgotamento de humidade atmosférica pela remoção lateral de cima do oceano, priva as tempestades do seu alimento energético (vapor de água) nas regiões oceânicas adjacentes a grandes florestas.

Todos esses efeitos em conjunto fazem da majestosa floresta Amazônica a melhor e mais valiosa parceira de todas as atividades humanas que re- querem chuva na medida certa, um clima ameno e proteção de eventos extremos.

3. O relatório continua com a descrição dos efeitos do desmatamento e do fogo sobre o clima: a devastação da floresta oceano-verde gera um clima dramaticamente inóspito. Modelos climáticos anteciparam, há mais de 20 anos, variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima, já confirmados por observações. Entre eles estão a redução drástica da transpiração, a modificação na dinâmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da estação seca. Outros efeitos não previstos, como o dano por fumaça e fuligem à dinâmica de chuvas, mesmo sobre áreas de floresta não perturbada, também estão sendo observados.
O dano do desmatamento, assim como os danos do fogo, da fumaça e da fuligem, ao clima, são candentemente evidentes nas observações cienti- ficas de campo. As análises baseadas em modelos atualizados e em nova teoria física projetam um futuro ainda pior. Emerge como fator principal a afetar o clima a grave extensão acumulada do desmatamento amazônico, até 2013 no Brasil em qua- se 763.000 km2 (área equivalente a 184 milhões de campos de futebol ou três estados de São Paulo). Tal superfície precisa ainda ser somada à fração de impacto da extensão acumulada da menos falada e menos estudada degradação florestal (estimada em mais de 1,2 milhão de km2).

4. O relatório prossegue relacionando os dois itens anteriores, floresta oceano-verde e desmatamento, no contexto temporal mais estendido: o equilíbrio vegetação-clima, que balança na beira do abismo. Modelos climáticos ligados interativamente a modelos de vegetação exploram quais são as extensões de tipos de vegetação e as condições climáticas capazes de gerar estáveis equilíbrios vegetação-clima.
Para a Amazônia, esses modelos projetam a possibilidade de dois pontos possíveis e alternativos de equilíbrio: um que favorece a floresta (úmido, atual para a bacia amazônica e histórico) e outro que favorece a savana (mais seco, atual para o Cerrado, futuro para a bacia amazônica).
O ponto preocupante desses exercícios de modelagem é a indicação de que aproximadamente 40% de remoção da floresta oceano-verde poderá defla- grar a transição de larga escala para o equilíbrio da savana , liquidando, com o tempo, até as florestas que não tenham sido desmatadas. O desmatamento por corte raso atual beira os 20% da cobertura original na Amazônia brasileira, e a degradação florestal, estima-se, já teria perturbado a floresta remanescente em variados graus, afetando adicio- nalmente mais de 20% da cobertura original.

5 . A seção final do relatório recomenda um plano de mitigação baseado na reversão radical tanto dos danos passados quanto a das expectativas de da- nos futuros: um esforço de guerra. As florestas da Amazônia são essenciais para a manutenção do clima, e com ele a segurança das gerações futuras.
Felizmente, os avanços nas ciências fazem desta guerra um desafio que pode ser bem sucedido.
Apesar da dificuldade em separar precisamente os efeitos de fundo das mudanças climáticas globais daquelas locais e regionais, não resta a menor dúvida de que os impactos do desmatamento, da degradação florestal e dos efeitos associados já afetam o clima próximo e distante da Amazônia. Já afetam em alto grau hoje em dia e prometem afetar ainda mais seriamente no futuro, a ponto de que a única opção responsável que se coloca é agir vigorosamente no combate às causas.

  • Como primeira ação, impõe-se a universalização e facilitação de acesso às descobertas científicas, que podem reduzir a pressão da principal causa do desmatamento: a ignorância.
  • Em segundo lugar, é preciso estancar a sangria da floresta, ou seja, zerar o desmatamento, a degradação florestal e o fogo já, com todos e quaisquer recursos e meios éticos possíveis, no interesse da vida. Ao mesmo tempo, em vista do diagnóstico de que desmatamento e degradação acumulados constituem-se no mais grave fator de dano ao clima, torna-se necessário e inevitável desenvolver um amplo esforço para replantar e restaurar a flo- resta destruída.

Tal esforço precisa ter perspectiva de médio e longo prazos para culminar com a regeneração da floresta oceano-verde original. Diante disso, as elites governantes podem, devem e precisam tomar a dianteira na orquestração da grande mobilização de pessoas, recursos e estratégias que possibilitem recuperar o tempo perdido.
Na conclusão, ao apontar para a urgência de ações de proteção e restauro da grande floresta, acena com oportunidades reais na viabilidade de trilhar- mos um novo caminho, onde a floresta protegida e recomposta seja a principal aliada das atividades humanas, dentro e fora da Amazônia.

Loading

Compartilhe este artigo
Seguir:
Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
1 comentário
  • O pior cego é aquele que não quer enxergar, não vai aqui nenhum desrespeito aos Deficientes Visuais, pelos quais tenho o maior respeito.
    Refiro-me as “Autoridades” brasileiras, em particular as ligadas ao meio ambientes. Que diante da devastação e morte precoce de nossos rios e aí temos o velho Chico que agoniza mais não morre.
    E essas Pseudos Autoridades , nada fazem em defesa da vida em nosso pais em nosso continente em nosso planeta.
    Manoel Mendes de Souza.

Deixe uma resposta

Descubra mais sobre Ensaios e Textos Libertários

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading

Ensaios e Textos Libertários