Deus sempre o acompanhou. Para um menino sozinho, em um colégio interno, longe da segurança do lar, viver o dia-a-dia? – somente com Deus! Na escuridão do dormitório, onde figuras da noite apareciam e desapareciam: – somente com Deus! No castigo constante, infligido por inspetores sádicos: – somente com Deus! Na defesa contra as gangues internas de garotos maiores, que queriam violentá-lo, deixa-lo submisso, tomar o que era dele: -somente com Deus! E Ele sempre o protegeu. O fez sobreviver naquele mundo insano,cruel…competitivo.
Aprendeu a dissimular, a tomar a cor do ambiente, como um camaleão.Aprendeu a desaparecer, deixar de ser notado – arte da sobrevivência do mais fraco.Aprendeu também a negociar, a fazer política, ligar-se aos mais fortes, ser também respeitado, não pela força,mas pela artimanha, pela inteligência. Sabia calcular o que iria acontecer, a fazer previsões, a jogar no dia seguinte. Amadureceu!
Por isso ficou desesperado quando Ele o abandonou, naquela tarde ensolarada de Jacarepaguá.
Máximo , o seu amigo , chegou com aquele andar característico de malandro e sentou-se a seu lado ,nos degraus do Pátio- Coberto. O jogo corria solto , numa tensão muito grade- estava difícil para o Brasil! Ele era um negro muito alto para sua idade e impunha respeito. Gostava de ouvir as história do Máximo, todas da favela de Parada de Lucas, em uma época em que as favelas cariocas tinham ainda aquele ar de aventura, e mesmo beleza, num tipo de malandragem que já não existe mais.
-Noventa e um, o Dr. Jaime quer falar com você, lá na diretoria, falou, olhando para ele. – Você sabe o que êle quer? Respondeu com ar assustado. Não estava gostando do recado. – Sei lá ! Ele não disse, e encerrou a conversa, prestando atenção ao som que vinha dos autos-falantes.
Pegou a sua sacola, onde levava os pertences : escova de dente, pente, papel higiênico, e um inseparável canivete, que nunca deixava dando sopa,pois podiam ser roubados, e, dirigiu-se para o Dr. Jaime.
Dr.Jaime era muito gordo e suava toda a camisa branca. Foi logo dizendo, mal ele transpôs a porta: – a sua mãe ligou e disse que você não vai mais ao dentista nas sextas-feiras. Agora você tem que passar o sábado e domingo aqui no colégio, como os outros.Acabou a moleza, pode ir,falou encerrando o assunto e apontando a porta de saída. E ele foi saindo, tonto, sem enterder o que se passava
Aquilo caiu como um raio na sua cabeça! Como? Tudo o que ele fazia era esperar a sexta-feira para ir embora, ir para casa.
Na sexta a sua avó chegava e ele trocava o uniforme pela sua roupa de sair, que ficava na rouparia e deixava o colégio. Era uma regalia, devido ao fato de que a sua mãe pagava a internação e os outros internos não – quem pagava era a Prefeitura do Distrito Federal.
O tratamento dentário era a o motivo para ele sair e só voltar na segunda-feira. Não estava acreditanto no que ouviu.
Voltou-se, então para Deus: – Você me abandonou, disse! Não é justo, não é justo! Falou para dentro de sí. Por que você fez isto comigo? Isto era tudo o que eu queria.Respirou fundo e falou com convicção: –
a partir de agora não acredito mais em Você.
E foi assim que rompeu suas relações com ele , ficando ainda mais sozinho nos difíceis caminhos da vida.
Serra da Mantiqueira,dezembro de 2011
Arlindenor Pedro