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Deus ! por Arlindenor Pedro

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 4 leitura mínima

Deus sempre o acompanhou. Para um menino sozinho, em um colégio interno, longe da segurança do lar, viver o dia-a-dia? – somente com Deus! Na escuridão do dormitório, onde figuras da noite apareciam e desapareciam: – somente com Deus! No castigo constante, infligido por inspetores sádicos: – somente com Deus! Na defesa contra as gangues internas de garotos maiores, que queriam violentá-lo, deixa-lo submisso, tomar o que era dele: -somente com Deus! E Ele sempre o protegeu. O fez sobreviver naquele mundo insano,cruel…competitivo.

Aprendeu a dissimular, a tomar a cor do ambiente, como um camaleão.Aprendeu a desaparecer, deixar de ser notado – arte da sobrevivência do mais fraco.Aprendeu também a negociar, a fazer política, ligar-se aos mais fortes, ser também respeitado, não pela força,mas pela artimanha, pela inteligência. Sabia calcular o que iria acontecer, a fazer previsões, a jogar no dia seguinte. Amadureceu!

Por isso ficou desesperado quando Ele o abandonou, naquela tarde ensolarada de Jacarepaguá.

Máximo , o seu amigo , chegou com aquele andar característico de malandro e sentou-se a seu lado ,nos degraus do Pátio- Coberto. O jogo corria solto , numa tensão muito grade- estava  difícil para o Brasil! Ele era um negro muito alto para sua idade e impunha respeito. Gostava  de ouvir as história do Máximo, todas da favela de Parada de Lucas, em uma época em que as favelas cariocas tinham ainda aquele ar de aventura, e mesmo beleza, num tipo de malandragem que já não existe mais.

-Noventa e um, o Dr. Jaime quer falar com você, lá na diretoria, falou, olhando para ele. – Você sabe o que êle quer? Respondeu com ar assustado. Não estava gostando do recado. – Sei lá !  Ele não disse, e encerrou a conversa, prestando atenção ao  som que vinha dos autos-falantes.

Pegou a sua sacola, onde levava os pertences : escova de dente, pente, papel higiênico, e um inseparável canivete, que nunca deixava dando sopa,pois podiam ser roubados, e, dirigiu-se para o Dr. Jaime.

Dr.Jaime era muito gordo e suava toda a camisa branca. Foi logo dizendo, mal ele transpôs a porta: – a sua mãe ligou e disse que você não vai mais ao dentista nas sextas-feiras. Agora você tem que passar o sábado e domingo aqui no colégio, como os outros.Acabou a moleza, pode ir,falou encerrando o assunto e apontando a porta de saída. E ele foi saindo, tonto, sem enterder o que se passava 

Aquilo caiu como um raio na sua cabeça! Como? Tudo o que ele fazia era esperar a sexta-feira para ir embora, ir para casa.

Na sexta a sua avó chegava e ele trocava o uniforme pela sua roupa de sair, que ficava na rouparia e deixava o colégio. Era uma regalia, devido ao fato de que a sua mãe pagava a internação e os outros internos não – quem pagava era a Prefeitura do Distrito Federal.

O tratamento dentário era a o motivo para ele sair e só voltar na segunda-feira. Não estava acreditanto no que ouviu.

Voltou-se, então para Deus: – Você me abandonou, disse! Não é justo, não é justo! Falou para dentro de sí. Por que você fez isto comigo? Isto era tudo o que eu queria.Respirou fundo e falou com convicção: –
a partir de agora não acredito mais em Você.

E foi assim que rompeu suas relações com  ele , ficando ainda mais sozinho nos difíceis caminhos da vida.

Serra da Mantiqueira,dezembro de 2011

Arlindenor Pedro 

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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